Em 1980, quando eu tinha 25 anos, conheci Juraneide da Silva, uma assistente social arretada que durante algum tempo foi coordenadora do CSU em Macau. Logo nos identificamos, ficamos amigas e durante quase dez anos compartilhamos o sonho de mudar o mundo e transformar Macau numa ilha feliz, bem administrada, garantindo aos seus filhos e filhas uma vida digna com o sagrado direito a moradia, saúde e educação.
Até então, eu que trazia comigo o princípio cristão da solidariedade e da partilha, só conhecia o caminho dos movimentos católicos como meio para transformar a sociedade através do evangelho. Com Juraneide descobri que a luta por uma sociedade igualitária pedia um engajamento político em sombrios anos de ditadura. Naquele mesmo ano assinei a primeira e única ficha partidária na criação do Partido do Movimento Democrático Brasileiro macauense.
Através de Jura conheci os grupos organizados de mulheres que lutavam contra todas as formas de violência e preconceito. Graças a ela tive acesso a boas leituras, encontros, debates, participando ativamente das manifestações históricas de combate ao regime militar e pela redemocratização do Brasil. Naqueles dias eu achava que poderia mudar o mundo com minha máquina de escrever. Que arrebataria
multidão com nossos argumentos e que a cidade se encantaria
com a nossa voz clamando por justiça e igualdade social.
Não houve tempo para tanto. No dia 06 de novembro de 1989, faltando pouco mais de uma semana para a primeira eleição presidencial depois do golpe militar, aos 34 anos, Juraneide partiu para a eternidade vitimada por um aneurisma. Sem qualquer pieguice, digo que deixou em todos nós que nos beneficiamos do privilégio da sua amizade um amargo sentimento de orfandade. Ainda hoje fecho os olhos e lembro da sua gostosa e sonora gargalhada. Guardo num cantinho da estante um LP de Lupicínio Rodrigues em sua memória. Aqueles ideais ainda moram em meu peito sem pagar aluguel. E, naquela eleição histórica, embora desejasse muito, acabei não votando em Lula. Pensando em você, por você, Juraneide, votei em Roberto Freire para presidente do Brasil. Gracias por tudo, companheira!
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