segunda-feira, 23 de abril de 2012

Dois Heróis

Era uma vez uma linda cidade, rodeada por rios, mangues e salinas,
situada na beira do oceano Atlântico. Ficava tão na beirinha que
algumas pessoas diziam que um dia ela iria cair e desaparecer, para
sempre, no mar. Era uma cidade tão linda, mas tão linda, que quem a
conhecia não esquecia jamais. Dizem até que ela era mágica e que, quem
botava na boca uma de suas pedrinhas de sal, carregava dentro de si a
necessidade, não só a vontade, mas a necessidade, de voltar. E tanto
fazia, tanto fazia, que terminava voltando. E se era obrigado a partir
novamente, ia com o coração pesado de saudade.

 E foi aí, nessa ilha, pois era em uma ilha que ficava a tal cidade,
que, no dia em que se comemorava um herói da independência do Brasil,
nasceu um menino. Um menino lindo, em homenagem à cidade. E,
acreditem, enquanto ia crescendo, as pessoas perceberam que ele não
era só mais um menino bonito, era também muito inteligente.

Imaginem só a alegria de seus pais e irmãos... Bem, prá falar a verdade, a
verdade bem verdadeira, eles não ficaram só felizes, também ficaram
preocupados. Isso, porque descobriram, assim que aquele menino começou
a falar e a andar, que ele, além de muito bonito e muito inteligente,
também gostava muito de brigar. Mas não era assim, brigar por brigar.
Ele brigava, e muito, em defesa do que, a ele, parecia correto. E
vocês sabem, sendo ele o menor de quatro irmãos, os outros tinham uma
tendência natural a querer mandar nele. Isso, ele não aceitava de
jeito nenhum. E tome briga!

Ahhh, ele não suportava injustiça.
Imaginem que, certa vez, já rapazinho, um colega, em plena praça da
cidade, resolveu insultar a sua mãe. Bem, só digo que esse colega,
depois do soco que levou, nunca mais insultou a mãe de ninguém.


Mas não pensem que ele era a favor da violência. Não, pelo contrário,
ele a abominava. O soco no colega, foi único e provocado pela
impulsividade da adolescência. A arma que ele usava para brigar eram
as ideias e argumentos. E quanto mais ele crescia, mais ideias e
argumentos adquiria.
        
Um dia, como fizeram todos os seus irmãos, ele foi obrigado a sair da
ilha. Seus pais o enviaram para estudar longe, na capital, pois na sua
ilha as escolas eram precárias. Dizem que até hoje são. E ele, também
como seus irmãos, foi com o coração partido e jurando que um dia
voltaria. (Ele tinha comido um pedrinha de sal) E tanto fez, tanto
fez, que voltou. E nesse tempo em que ficou longe, aproveitou para
estudar muito, ler muito, e adquirir cada vez mais vontade de combater
todas as formas de injustiça.

E ele voltou. E voltou dizendo que dali, daquela ilha, nunca mais
sairia. Ele tinha um sonho que sempre esteve com ele e que a distância
só fez fortalecer. Sonhava em tornar a sua cidade em um modelo no
campo da educação, para que nenhum jovem precisasse, como ele havia
precisado, sair para estudar. Foi lutando, o quanto podia, para
realizar esse sonho, que foi ficando conhecido na cidade. E como ele
argumentava sempre pelo bem da cidade, começou a ser procurado por
quem sofria alguma injustiça e não sabia como se defender. E ele
ajudava. E defendia. E combatia as injustiças. E foi sendo admirado, e
foi sendo amado.

Infelizmente, não era unanimidade. Afinal, se havia injustiças, é
porque havia quem as cometesse. E essas pessoas não gostavam dele,
não. Não gostavam porque não havia dinheiro no mundo capaz de fazer
com que ele abandonasse seu povo e seu sonho de fazer de sua ilha, uma
ilha feliz.

Então, um dia, sem aviso, ele sumiu. Morreu. Foi enterrado na ilha,
cumprindo a promessa de lá nunca sair. A cidade ficou atônita.
Sentiu-se órfã, e chorou. E continua chorando a morte daquele menino
que, mesmo depois de morto, ainda ajudou duas pessoas, através do
transplante de órgãos. E foram tantas as pessoas que ele ajudou, e
tantas lutas combateu em defesa de sua gente que agora a cidade sabe
que ele não poderia ter nascido em outro dia, e comemora no dia 21 de
abril, não um, mas dois heróis: Tiradentes e nosso menino, que bem que
poderia se chamar Bendito, mas se chamava, simplesmente, Benito.




Texto: Benise Maia Barros



 


Um comentário:

Anônimo disse...

Lembrar de Benito é viajar nos anos em que éramos tão felizes. Éramos doidos mas não irresponsáveis. Bebíamos e fumávamos(alguns, um despretensioso baseadinho, sempre no aconchego do lar). Raramente havia "festas de crianças", onde só rolava "doce, "bala" e "coca". Era uma época onde havia a hierarquia do amor. Mandava-se um bilhete e, se "prosperasse", paquerava, namorava, noivava, enlouquecia se abestalhava e casava. era a época da Ditadura podíamos acelerar nossos carros pelas estradas acima dos 120km/h sem nenhum risco e não éramos multados por radares maliciosamente escondidos. Mas, não podíamos falar mal do Presidente.
Podíamos comprar armas e munições à vontade, pois o governo sabia quem era cidadão de bem, quem era bandido e quem era terrorista, mas, não podíamos falar mal do Presidente.
Podíamos paquerar a funcionária, a menina das contas a pagar ou a recepcionista sem correr o risco de sermos processados por “assédio sexual”. Mas, não podíamos falar mal do Presidente.
Não usávamos eufemismos hipócritas para fazer referências a raças, credos ou preferências sexuais e não éramos processados por “discriminação” por isso. Mas, não podíamos falar mal do Presidente.
Podíamos tomar nossa cerveja no fim do expediente do trabalho para relaxar e dirigir o carro para casa, sem o risco de sermos jogados à vala da delinqüência, sendo preso por estar “alcoolizado”. Mas, não podíamos falar mal do Presidente.
Podíamos cortar a goiabeira do quintal, empesteada de formigas, sem que isso constituísse crime ambiental, mas, não podíamos falar mal do Presidente.
Hoje a única coisa que podemos fazer, é falar mal da Presidente!
Que merda!