Desde a infância, sempre
gostei de ouvir e contar histórias. No exercício do jornalismo aprendi a
garimpar personagens, famosos ou anônimos, que com suas vidas marcaram a
passagem sobre a Terra das Salinas. Uma figura que marcou época na cidade foi
Manoel Gomes Peixoto, conhecido como Del Barbeiro, notabilizado pela firmeza de
caráter, honestidade e extrema sinceridade. Casado com Dona Maria da Conceição
Rodrigues Peixoto, gerou quatro filhas: Elza, Enilde, Débora e Miriam. No dia
28 de maio deste ano, aos 90 anos de idade, Seu Del partiu para a eternidade.
Em sua homenagem resgato uma matéria publicada no Diário de Natal em 1997 que
conta um pouco da sua história.
O Salão de Del Barbeiro, no Beco das Quatro Bocas, marcou época na cidade. O vereador Antônio Leite era um freguês fiel. |
A
NAVALHA QUE RETOCA O PERFIL DE MACAU
Por Regina Barros
No centro de Macau, numa travessa conhecida por Beco das
Quatro Bocas, resistindo ao tempo e a modernidade Del Barbeiro continua fazendo
barba, cabelo e bigode à moda antiga. Aos 74 anos de idade ele até já pensou em
parar, mas os fregueses não deixam. Além do mais, a pequena aposentadoria não
garantiria sua sobrevivência.
Seu pequeno e humilde salão já mudou muitas vezes de
endereço, mas a tradição é a mesma: não corta modelo Chanel, não abre fiado,
nem fica com o troco de ninguém. O cabelo custa R$ 3,00, a barba R$ 2,00, com
direito a alguns versos improvisados, brincadeiras, histórias e opiniões.
Assim, apesar da concorrência, consegue manter a freguesia.
Aprendeu o ofício ‘por necessidade’ quando era rapaz novo
no pequeno povoado de Mulungu, distrito de Pendências. Filho de agricultor,
logo percebeu que ‘não tinha vocação para trabalhar ao sol’. Deu então os
primeiros ‘treinos’ na tesoura fazendo a cabeça da vizinhança para garantir na
vida ‘um lugar à sombra’. Viu que levava jeito e se mudou para a Terra do Sal
no início dos anos 50, trazendo com ele o sonho de montar um salão. Não foi tão
fácil concretizar seu sonho. Instalar o salão custava caro e não estava ao
alcance de um principiante. "No primeiro lugar que trabalhei disputava cliente com
cinco veteranos e só consegui cortar um cabelo por que tiveram pena de mim. Se
continuasse ali ia morrer de fome”, relembra Del. Com a ajuda de Godofredo
Coutinho, um bem sucedido comerciante da terra, que financiou tesouras e
navalhas, os ‘primeiros ferros’, conseguiu o próprio espaço no largo do antigo
mercado. “Godofredo era tão bom que ainda encaminhava os amigos pra cortar
cabelo comigo” recorda agradecido.
ESTILO
Ao longo do tempo, convivendo com os melhores
profissionais do ramo, aprendeu a arte e conquistou o público masculino. Nunca
aprendeu a cortar cabelo de mulher. Ainda tentou, mas sempre achou complicado.
Fregueses sempre teve de todas as idades. Na velha cadeira de ferro do barbeiro
Del desfilaram muitas gerações. “Toda Macau já passou pelas minhas mãos”, diz,
vaidoso. No tempo em que o dinheiro corria fácil, graças ao intenso movimento
portuário, o salão era cheio e ele era o responsável pelo visual da ‘nata da
sociedade’, que saía cheirando a ‘talco e Acqua Velva’.
Quem não o conhece, a primeira vista pode até se chocar
com o estilo singular esbanjando sinceridade. Evangélico, costuma dar conselhos
a alguns clientes de “vida meio torta”, para se aprumarem enquanto é tempo.
“Aviso que um dia eles vão prestar contas a Deus, aí vai ser difícil arranjar
desculpa de última hora”, conta, garantindo que ninguém fica chateado. Em época
de campanha política, porém, o salão do barbeiro pega fogo e se transforma num
verdadeiro termômetro eleitoral. “Todos passam por aqui pra saber quem vai
ganhar a eleição e até hoje nunca errei uma previsão”, garante. Como não
costuma escolher sua preferência, acaba perdendo alguns fregueses que votam no
outro candidato.
A regra de ouro da casa é ‘Deus na frente e honestidade
acima de tudo’. Por isso desafia quem diga que ele ficou com ‘um centavo de
troco’. “Nem gorjeta eu aceito pra não ficar viciado”, afirma. É inimigo do
fiado e quem entra já se depara com uma placa advertindo: “O trabalhador é
digno do seu salário. Não fale fiado. Evite prejuízo e aborrecimento”. Mesmo
assim, alguns ainda tentam e são dispensados sem contemplação. “A profissão é
cansativa, pois a gente lida com muitos gostos, tipos de pele e tem que tomar
cuidado para não cortar a cara do freguês”, explica.
CLIENTELA
Quando se aposentou, Del atendia clientes antigos, como Benedito, em casa. |
Hoje em dia a barbearia nem sempre fica cheia. A
concorrência dos salões modernos oferecendo mil opções de cortes e cores,
roubou muitos fregueses que juravam fidelidade eterna. Outros, porém, preservam
a tradição e só confiam no velho barbeiro. É o caso do comerciante José
Benedito de Souza que tem presença garantida uma vez ao mês. Luiz Gomes,
aposentado, é outro que não quer saber de modernismos.
Puxando pela memória desfilam clientes de muitas décadas
que preferem o corte clássico, ‘baixinho, bem aparado, barba impecável’. “Padre
Zé Luiz só cortava comigo. Minha clientela sempre foi fiel, desde o juiz da
cidade, Dr. Chico Lima, passando pelo delegado, prefeito, vereador e até
vendedor de rua. Todo mundo é tratado por igual”, garante. “O ex-prefeito Zé
Oliveira apreciava meu corte, hoje o filho dele, Cacique, continua a tradição,
mas anda meio sumido. David Batista e o irmão dele, Champirra, seguem a linha
do pai deles, João Elói e só cortam no meu salão”.
Um comentário:
Muito bem merecida a homenagem. Dá uma sensação tão boa em ler sobre pessoas assim como o irmão Del. Não tive muito contato com ele quando morei em Macau/Alagamar, mas meus pais o conheciam e respeitavam. Sempre ouvi falar dele assim, dessa forma. Toda a sua família é de gente do bem, povo temente a Deus.
Parabenizo o autor da reportagem pelo belo texto, pela escolha do personagem nessa ocasião e parabenizo também você, Regina Barros, pela iniciativa dessa homenagem.
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