Carta
ao centenário moinho e às salinas de outrora
por Daniel Násser
Caríssimo moinho,
sei
que foi testemunha de tempos melhores da nossa querida Macau e, por isso, sua
estagnação atual deve ser incompreensível para você. Com o progresso e a maior produção, não
deveria Macau ser uma cidade de oportunidades? Ao invés disso, você, parado as
portas da cidade, somente observa seus filhos partirem para longe em busca de novos
horizontes e com regressos cada vez mais esparsos.
Amigo
moinho, sou destes filhos que deixa Macau e segue de coração partido para
terras estranhas, sem alento que possa acalmar meu peito, pois em qualquer
parte que busque conforto sempre há de faltar o branco cristalino do sal no
chão e a corroer as tinturas nas paredes antigas da casas da rua da frente.
Mas
sendo você testemunha de tantas eras de benefício, deve entender com mais
clareza os rumos enlameados por onde prossegue a nossa cidade. Quem sou eu para
sentenciar o que é certo e errado ou para entender as idas e vindas do
progresso?
Em
breve afluirão da capital e outras grandes cidades rios de políticos com mares
de planos mirabolantes para o ressurgimento da cidade das salinas. Sempre
existirão outras fábricas de barrilha ou centrais do cidadão, coisas que se
desfazem da mesma forma que chegam... Quando chegam...
Os
nossos administradores municipais também já começaram seu arrebanhamento de
eleitores e, se teu olhar alcançar tão longe, velho moinho, mira por um
instante a praia de Diogo Lopes, onde a caridade aos pobres se resume a um
prato de sopa que sumirá quando os necessitados forem contabilizados nas urnas.
Ah,
meu moinho!
Parece
que todos os “salvadores” de Macau têm seus próprios interesses e que o bem
desta terra não está entre eles...
E
enquanto a juventude se perde nos falares da população ao revelar de forma a
ruborizar-nos sua nudez mais descarada, a cidade afunda mais e mais... Pois
eles permanecem inconscientes de que a pouca idade não os isenta da
responsabilidade por este solo.
E
não adiantam protestos de momento ou chamas efêmeras em lutas que devem ser
constantes. Que a luta não se resuma as grandes batalhas, mas aos pequenos
combates diários. Que se combata a falta de respeito ao seu semelhante com a
mesma veemência que se afronta a corrupção. Ou o fim vai ser sempre outra
máscara negra... Outro grito de momento que se perderá no silêncio eterno do
tempo.
É velho moinho, neste momento me voltam àqueles
que já se foram e que ainda tinham tanto dizer... Foram a contragosto,
agarraram-se a vida com toda força, como sempre lutaram por tudo, e que hoje
permanecem em silêncio, descansando sobre a frondosa sombra de um flamboyant...
O que teriam a dizer?
“Já
não há mais moinhos como os de antigamente”
O
Cavaleiro e os Moinhos
(João
Bosco/ Aldir Blanc)
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