domingo, 14 de setembro de 2014

Carta ao MOINHO

Carta ao centenário moinho e às salinas de outrora

por Daniel Násser




Caríssimo moinho,

sei que foi testemunha de tempos melhores da nossa querida Macau e, por isso, sua estagnação atual deve ser incompreensível para você.  Com o progresso e a maior produção, não deveria Macau ser uma cidade de oportunidades? Ao invés disso, você, parado as portas da cidade, somente observa seus filhos partirem para longe em busca de novos horizontes e com regressos cada vez mais esparsos.
Amigo moinho, sou destes filhos que deixa Macau e segue de coração partido para terras estranhas, sem alento que possa acalmar meu peito, pois em qualquer parte que busque conforto sempre há de faltar o branco cristalino do sal no chão e a corroer as tinturas nas paredes antigas da casas da rua da frente.
Mas sendo você testemunha de tantas eras de benefício, deve entender com mais clareza os rumos enlameados por onde prossegue a nossa cidade. Quem sou eu para sentenciar o que é certo e errado ou para entender as idas e vindas do progresso?
Em breve afluirão da capital e outras grandes cidades rios de políticos com mares de planos mirabolantes para o ressurgimento da cidade das salinas. Sempre existirão outras fábricas de barrilha ou centrais do cidadão, coisas que se desfazem da mesma forma que chegam... Quando chegam...
Os nossos administradores municipais também já começaram seu arrebanhamento de eleitores e, se teu olhar alcançar tão longe, velho moinho, mira por um instante a praia de Diogo Lopes, onde a caridade aos pobres se resume a um prato de sopa que sumirá quando os necessitados forem contabilizados nas urnas. 


Ah, meu moinho!
Parece que todos os “salvadores” de Macau têm seus próprios interesses e que o bem desta terra não está entre eles...
E enquanto a juventude se perde nos falares da população ao revelar de forma a ruborizar-nos sua nudez mais descarada, a cidade afunda mais e mais... Pois eles permanecem inconscientes de que a pouca idade não os isenta da responsabilidade por este solo.
E não adiantam protestos de momento ou chamas efêmeras em lutas que devem ser constantes. Que a luta não se resuma as grandes batalhas, mas aos pequenos combates diários. Que se combata a falta de respeito ao seu semelhante com a mesma veemência que se afronta a corrupção. Ou o fim vai ser sempre outra máscara negra... Outro grito de momento que se perderá no silêncio eterno do tempo.
 É velho moinho, neste momento me voltam àqueles que já se foram e que ainda tinham tanto dizer... Foram a contragosto, agarraram-se a vida com toda força, como sempre lutaram por tudo, e que hoje permanecem em silêncio, descansando sobre a frondosa sombra de um flamboyant... O que teriam a dizer?

“Já não há mais moinhos como os de antigamente”
O Cavaleiro e os Moinhos
(João Bosco/ Aldir Blanc)


Nenhum comentário: